Uma carta de Caio Fernando Abreu conta o processo. Quando penso
que havia fechado meu expediente sobre o tema de criação de contracultura!
desbunde! balanços! críticas! autocríticas e aponto o lápis para trabalhar
“novos capítulos de nossa história cultural”, eis que cai, em minha mesa, um
livro irrecusável: Morangos mofados, de Caio Fernando Abreu. Disfarço a
curiosidade, adio a leitura, rendo-me afinal à tentação. Não sei bem por que,
lembro-me do Teatro Ipanema, casa lotada aplaudindo freneticamente a peça
de José Vicente, Hoje é dia de rock, na primavera-verão de 1971. De certa
forma, Morangos mofados fala de uma história que se configurava oficialmente,
no Rio, naquele teatro e naquele verão.
A peça - rito de passagem da geração desbunde - falava da grande
mudança para a Fronteira, de um incontido desejo de sair, de se desligar de
um mundo “condenado”. Encenava, em meio a um estonteante trabalho visual
e sonoro que traduzia plasticamente a liturgia psicodélica da época, um vôo em
direção às margens, no melhor estilo da utopia drop-out. “Quem nasceu para
voar, voe no rumo do céu. Quem nasceu para cantar, cante. Teus pássaros
viajam voando no espaço estreito da América, contra sertões, procurando ar,
cor, luz, flor, pão. Pássaros viajam ao redor da Máquina, contra a Máquina,
antes da Máquina e depois” - sentenciava Inca, a vidente, em um momentochave
da peça. É assim que Isabel, regida pela visão da Fronteira, resgata a
imagem de Elvis Presley (o grande e mágico motor dessa história), que irrompe
em cena de lambreta e materializa a possibilidade do seu vôo: “Iloveyou...
Nunca esperei que um dia, numa tarde de sábado, você podia sair de dentro do
meu rádio para dizer olhando para mim: I love you. Quando eu queria sair de
Minas e não sabia como... Como se eu fosse uma estrela caindo do céu, longe.
Então eu imaginava você vindo, como eu te imaginava”.